Texto do Curador
Stênio Soares
Universidade de São Paulo
O poeta revela seu argumento através da sua criação. Penetra no campo da sensibilidade e percebe nuances delicadas, invisíveis aos olhos. O sensível é também uma experiência. E, para tanto, precisa-se estar disponível à intuição e entregue às diversas tramas e possibilidades sensoriais. Quando é percebida, a realidade não se permite ser capturada e avaliada, ela convida o indivíduo à experiência, reconstruindo-se, transformando-se; na arte, a realidade faz parte de uma subjetividade a ser interpretada e representada. Torna-se criação. A artista plástica, Alline Nakamura, buscou criar sua fotografia encarando a realidade e vivendo a experiência. Na série Transluzires seu argumento ganha uma forma madura, onde os meios justificam os fins, com a clareza que a experiência sensível é capaz de perceber o invisível.
“Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” (Guimarães Rosa)
Há, na criação fotográfica de Nakamura, alguns aspectos que lhe situa e destaca no contexto da arte contemporânea. Primeiramente, a artista reporta-se ao seu cotidiano e cria uma identidade própria para as suas imagens. O cotidiano é turvo, fluido, leve. O primeiro olhar, aquele desatento, desprovido da paciência e do labor de pensar, pode julgar e resumir suas imagens por distorções, embaraços e formas não finalizadas. Eis a provocação de Nakamura: não é o fim conclusivo que lhe interessa, nem a imagem congelada de um instante, mas é a constante transformação que as formas e cores se definem na percepção visual. A artista desafia sua técnica e desenha com a luz e o contraste.
Por outro lado, há uma evidente provocação de debate com o panning, técnica que usa o movimento da câmera para dar ênfase a um tema em primeiro plano. A preocupação da artista com o movimento é esboçada pela liberdade de compor uma imagem, evidenciando as distorções que o olhar constrói durante um estágio de passagem, ou ainda: são imagens poéticas onde cada foto pretende ser mais do que a materialização de um determinado local e momento.
Outro aspecto importante, que possibilita que o trabalho de Nakamura dialogue com formas híbridas, sem se permitir fechar nessa ou naquela categoria ou classificação, é o surgimento de um “desenho intuitivo”, fruto de uma criação espontânea. A artista percebe seu entorno e sua preocupação primordial é a luz, a foto. Intuitivamente, ela cria um recorte singular do seu campo visual e queima. O resultado é a aparição de um desenho fotográfico, cujo contraste entre as luzes e as formas existentes no ambiente é forjado para criar uma nova imagem. Não é apenas o movimento da câmera que distorce a forma/cor, mas é também a experiência sensível em trânsito, a mudança constante da maneira como se apreende a paisagem. Nesse sentido, bem como sugeriu Heidegger, a experiência estética de Alline Nakamura precede a criação: antes de haver luz na fotografia, há fotografia na luz.
http://transluzires.wordpress.com/
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